Catarina Camacho

Cat day

6:42 Nas últimas semanas algo me acorda sempre no mesmo horário. Abro os olhos e a claridade já entra pela persiana semi aberta.Estendo o braço toco no telefone e confirmo, 6:42. O Limão, começa a abanar o cauda. Levanta-se da sua cama, espreguiça-se e vem ter comigo. Está tão alto que já não precisa de se empoleirar para roçar o focinho dele no meu rosto. Acorda sempre alegre e com energia ao contrário de mim. De manhã sou de poucas palavras e ando a passo de caracol.Viro-me e confirmo. O marido está ali ao lado, dorme profundamente, destapado e sem almofada. Tomo coragem e levanto-me. Estou velha, dói-me o corpo pela manhã. Visto o roupão que fica sempre no fundo da cama. Olho para o outro quarto e confirmo. O Zé dorme serenamente, destapado e sem almofada. Tal pai tal filho. Porém a noite deve ter sido agitada. Está com a cabeça virada para os pés da cama. Vou a casa de banho, tiro o aparelho que me mantém os dentes alinhados durante a noite e lavo-os. Mergulho a cara em água fria para ficar mais acordada. Desço. Abro a porta do jardim ao Limão e sinto a brisa fresquinha que me aconchega. Para já só se ouvem os passarinhos e uns galos que cantam lá ao fundo. O céu ainda está encoberto mas adivinha-se um dia quente. Sinto falta dele, mas quando me viro… já lá está. O gato Sol. Deita-se delicadamente no chão. Quer festas. Eu faço.Hora de os alimentar. O Limão entra de rompante pela porta assim que ouve a taça da comida a encher-se. Olhos verdes, pelo curto cor de chocolate. É um doce trapalhão de pernas altas. Faz-me rir com o seu irresistível ar de pateta. Agora eu. Café. Não tenho vícios, felizmente, mas o café é um dos poucos hábitos que gostava de manter sempre que me der prazer. Uma chávena bem cheia e vou até a varanda. Sento-me com preguiça e fico a mexer o café sem açúcar enquanto olho para o que vai acontecendo. Talvez seja este um dos meus momentos preferidos do dia. Até que o café termina e com o fim dele começam os afazeres. Duche frio. Cremes perfumados. Roupa limpa e confortável. Agenda na mão para seguir pela ordem até ao final do dia. Mas em estilo narrativa aberta, porque se há coisa que sei… “ é que nada sei “. #rumoaos40 #quarentamenosum

Olho para o horizonte à procura de respostas. Ou então não. Não sei de onde terá saído esta frase mas descarto-a porque me soa a pechisbeque. E pechisbeque também me soa a presunção. E se há coisa que me tira do sério é gente armada ao pingarelho. Olha outra, tirada da cartola. “ pingarelho?” Devo ter andado a sonhar com os anos 80…acho que adormecer na praia me dá a volta ao léxico. Continuando. Estava frio, vesti o casaco do meu filho e obriguei-me a ficar quieta a olhar para o mar. Não é assim que a pessoa se torna mais sábia?:)) Tentei. Juro que sim. Mindfulness. Dizem que tenho um ar sereno. Talvez, mas não sendo simulado esconde a minha constante inquietação, ansiedade, impaciência, agitação e agora até um bocado de mau humor, culpa das hormonas provavelmente. Mas indiferente a tudo isto meu está o mar. Sossegado, silencioso, embala os peixes de tão sereno. É Imenso e fascinante. O mar. O Sr . Mar que embrulha o mundo e nos toca a todos. O sol vai ficando baixinho e a cor laranja predomina em tudo o que toca. A praia vai ficando vazia como a maré. Lá se arrastam as famílias pelo areal mais extenso só para chatear os molengas. Carregam a tralha do costume. Guarda sol, corta vento, cadeiras, toalhas mais pesadas, lancheiras mais leves, bolas, brinquedos salgados, crianças a pedir colo e outras a dizer só mais um mergulho. Há pais com a pilha toda ( porque estão a iniciar as férias ) e outros que já esgotaram todos os cartuchos e rezam para conseguir ter férias das férias. Depois há os que vêm sozinhos, pegam na toalha e vão. Não é o meu caso. Posto isto. Arrumamos as nossas tralhas de praia, verificamos que nada fica esquecido e seguimos viagem. #quarentamenosum #rumoaos40

12 de julho 7:32 Praia de verão. Aqui estou eu, madrugadora só porque o calor não me deixou dormir mais, sentada na areia fina e macia entre praias que por agora, estão silenciosas. Fico só a observar. Há os madrugadores que correm na areia molhada, os que caminham energicamente, os que aproveitam para passear os cães, [que correm e saltam felizes com a liberdade que horário permite ]os casais faladores que caminham ao mesmo ritmo, os que já não se podem ver nem ouvir e mantêm a distância que as pernas e o areal permite. Há também aqueles que ainda não dormiram. Em grupo lá estão eles e elas felizes por estarem de férias, andam aos esses, cantam e falam alto enquanto bebem o que partilham na garrafa que vai rodando de mão em mão. Sou espectadora deste filme sem guião onde as personagens vão desfilando. Até que fico só eu. À minha frente o protagonista principal. O mar. Bolas que mar. Está calminho, azul e suave. Confesso o fascínio que tenho por ele. [Que imenso mundo está ali.] Mas ao mesmo tempo, tenho medo. Um medo que não me permite ir para além da água no umbigo e sempre de olhos bem abertos. ( não devia ter visto o filme “ tubarão “ e outros ?‍♀️?) Agora que já vi tudo com os olhos. Fecho-os. Isolo os sons. O das gaivotas faladoras, das ondas, dos pescadores, das crianças que começam a chegar, o da a minha respiração. Está fora de ritmo. E começo então a meditar. O exercício que sinto precisar de fazer hoje é aparentemente simples. Respirar profundamente até acalmar os pensamentos. É verão. É invasão de descontração. É tempo de descomplicar, ignorar os relógios e seguir ao ritmo da vontade. Assim são as férias. #47paraos40 #rumoaos40

Quem nunca desejou ser invisível? Ter aquele super poder de estar mas não ser visto. Quem é que nunca sentiu vontade de cuscar o alheio sem que ninguém dê por nós? Pensando bem… poder ver e ouvir sem que ninguém saiba tem tanto de incrível como de terrível…[ momento para dar asas à imaginação e criar vários enredos ]?. Ou então, poder simplesmente vestir a capa da invisibilidade e desaparecer do lugar onde não queremos estar. Seria tão bom! E sabem que mais? A idade dá-nos esse super poder. Aos poucos vamos passando cada vez mais despercebidos. Caminhamos passo a passo ao encontro da invisibilidade. Mas nessa altura acho que poucos vão gostar deste super poder reservado aos heróis. Factos: ser invisível irá passar de pontual a permanente, não será sempre mágico nem fantástico, não será seguramente um caminho tranquilo para todos. O primeiro atingido será o ego. O ego não vai aceitar de ânimo leve esta constatação. Dará luta. Vai querer dar nas vistas, comprar um descapotável, fazer um upgrade para ser visto. Tenhamos paciência. Faz parte. Está tudo certo. Quando ficar cansado do ridículo, vai entender que “ a emenda é pior que o soneto” e desiste. Aliás, não é desistir é não insistir no mesmo. Apenas muda. Fecha um livro e abre o outro. Porque a nossa história continua no próximo volume. E assim começa. Aceita esta nova era como a condição que sustenta a leveza de se ser. Percebe que o importante reside dentro. Do corpo. Aceita que o corpo nos serve. Se nos serve então preocupa-te em mantê-lo funcional. O corpo serve de casa. De abrigo. O corpo que te calhou veste o que tens de mais precioso; a tal “ alma “ de que tanto se fala mas não se vê. Mas existe. Dá razão à vida. Como diz Saint-Exupéry “ (…) o essencial é invisível aos olhos.(…)” #49para40