Joana Barrios

Conheci a Noelia num dia de chuva. Chegou com um grande pedaço de atum e um saco de milho. Em três segundos fez um Xerém e depois grelhou apenas o atum numa chapa quente. “Não faz falta mais nada.” Pois não. Já queria ter ido ao seu restaurante há mais tempo, mas ainda não tinha acontecido. Absurdo. Desde que nos conhecemos que estamos sempre em contacto. De tal forma que aqui há tempos queimámos um caramelo em uníssono. Imprimimos uma na outra, não sei. Foi assim. O que mais aprecio na Noélia, para além do sorriso e da generosidade é a sua disponibilidade para o mundo que lhe entra pela porta todos os dias das mais diversas formas. A comida tem um poder agregador imenso e a Noélia é uma das grandes testemunhas desse mesmo poder. Das duas vezes que visitei o seu restaurante nos últimos quinze dias encontrei todo o tipo de amigues de todos os quadrantes: do irmão de um #bff a um amigo do Carlos que não víamos há anos. Aqui entre a Noélia e a Beatriz, nos cinco minutos em que o serviço nos deixou conversar. Uma ode a tudo.

Decorre a semana Mundial do Aleitamento Materno, iniciativa que completa 31 verões e tem como objectivo chamar a atenção para a importância do aleitamento materno na vida de uma criança. Tenho duas experiências totalmente distintas neste campo, proporcionadas pelo mesmo corpo, pelas mesmas mamas. Em 2014 foi uma experiência terrível, complexa, dolorosa e potencialmente traumática, não fosse ter a sorte de estar muito bem acompanhada. Em 2017, mesmo estando preparada para receber o que o corpo quisesse, não deixei de recear a impossibilidade de amamentar. O corpo é porém um lugar magnífico, e não tive um único percalço, mesmo tendo uma pequena tensão acrescida por causa das muitas intervenções cirúrgicas a que o meu mais novo foi sujeito ainda em tenríssima idade. Aprendi muitíssimo com cada uma das experiências e escuso-me de aconselhar seja quem for porque cada uma é um universo inteiro. Eu própria sou dois universos. Amamentar é, se possível, a opção mais Bela. Pela salubridade, pelo laço, pela possibilidade de se escutar o corpo e se perceber o quão magnífico é, pela possibilidade de deixar que o tempo se detenha ali naqueles momentos. Não é tudo poesia, não tem de ser um calvário. Tecem-se muitas considerações ao tempo empregue na amamentação, fazendo com que se olhe para a dita cuja através da mesma lente capitalista com que se olha o mercado. Não é capitalizável. Amamentar é, em 2022, revolucionário. É punk, é gore, é afirmativo, é marginal, é incorruptível. É inevitavelmente político. O corpo da Mãe (amamentando ou não) não é mercantilizável. Não é mercadoria. O corpo da Mãe é autosuficiente, logo assustador em especial para a indústria alimentar. A incapacidade de amamentar em 2014, expôs a minha cena com a comida/gastronomia/alimentação (através do NHOM NHOM). A minha experiência é, como disse, paradoxal, e por isso acho que tenho aqui um lugar de fala dentro da comunidade. Nunca recebi qualquer tipo de apoio ou aconselhamento para o aleitamento ou para a impossibilidade de amamentar. *cont*

A Inês completou uns verões importantes na passada sexta feira e perguntou-me se por acaso não gostaria de ficar responsável pelo banquete da sua grande festa. Disse que sim, claro, óbvio, completamente alheia ao facto de ter convidado 80 pessoas para tal jantar. Ah! - e o tema da festa era cor de rosa. Criar uma ementa cor de rosa que correspondesse aos seus sonhos e aspirações, àquilo que os seus convidados gostariam de comer, àquilo que ela tinha imaginado. Numa semana bem intensa. Porém não tenho maior motivação do que atirar-me para fora de pé para fazer coisas que nunca fiz e experimentar se funcionam. Segundo o que me foram dizendo ainda durante a festa, correu mesmo bem. O meu barómetro são as sobras, que não existiram. Concluo com isto que tenho mesmo de ouvir o meu marido de todas as vezes que ele diz que eu devia qualquer coisa. Um pão cor de rosa de batata doce roxa cortesia da @maisumalasca para molhar num labneh rosa, um pesto de framboesa, um salmão curado com beterraba, uma salada de melancia e queijo feta, uma salada de beterraba, couve roxa e maçã e um gaspacho de morango. Isto tudo com o excelso contributo do @ricocapucho , da @oliviarugani e do @ehlgthiago , indispensáveis em todos os passos do processo. Conclui-se então que pelo menos até oito dezenas de pessoas conseguimos lá chegar, que trouxemos felicidade, que foi tudo tranquilo e que não tivemos de recorrer a nenhum corante artificial. Uh. Ah. Obrigada pela confiança, @meninaines e por estas décadas de amizade pautadas anualmente pelo menos por uma festa de arromba no 29 de Julho.

Procurei imagens em que estamos juntas. Tenho muitas, estamos lindamente, mas isto não é sobre mim, é sobre Ela. A última vez que falámos foi a propósito do filme dos Minions. Assim que o filme começou, ouvi-a a emprestar a voz à personagem Donna Disco, claramente talhada para ela, e fiquei feliz. Fiz questão de lho dizer. De a celebrar. Mais um dos seus rasgos de genialidade. A Mariama é maior que a finitude da vida terrestre. Conhecemo-nos numa festa e sempre que nos encontrávamos era uma festa. Onde fosse, como fosse, por que motivo fosse. Celebrar era uma constante para todes que a rodeávamos. Os encontros de manhã ao vê-la subir a rua de saltos vertiginosos com o Filho pela mão. A voz que começava a ouvir ao pé da Oliveira em frente da Bica nas longas noites do Lux. Todas as boleias que me deu e que fazia questão de carregar de ensinamentos. A sua varanda em frente ao Canal Q onde a vislumbrei apenas em silhueta. Choro a sua perda terrestre. Choro a perda da sua forma tangível e da possibilidade de a abraçar por onde nos encontremos. Choro a perda de uma figura icónica e verdadeiramente vertiginosa, cheia de um coração inimitável. Celebro a sorte de a ter encontrado um dia, naquela festa, ambas vestidas de flores. Partilhámos um mesmo tempo. Que sorte. À Família e a Amigues, os meus sentidos pêsames.

o apelo do cachorro quente às quatro da madrugada quando a rodagem vai no adro.

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