@pedrochagasfreitas
Pedro Chagas Freitas
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pedrochagasfreitas Somos inúteis. Será isto, muitas vezes, em todos os hospitais do mundo, o que os pais dizem a si mesmos perante o que acontece, ali, aos seus filhos. Poucas situações nos farão sentir tão nulos como esta, em que nada podemos fazer para, de facto, de forma concreta, fazer a diferença, salvar o nosso menino do que o ataca de forma severa, dolorosa. Se pudéssemos, iríamos para o lugar deles. Arrancaríamos as pernas, os braços, a própria vida, para que o nosso menino não tivesse um único segundo de doença, de dor física. Somos inúteis. Resta-nos dar a cura do carinho, da ternura, do aconchego, da protecção, do abraço, do beijo, da pele na pele, do orgulho nos olhos, da troca de olhares que conforta, que traz coragem, caminho, esperança. Talvez não sejamos, então, tão inúteis assim. Talvez tenhamos apenas uma utilidade invisível, que não aparece nos livros de história, de histórias. Nunca ninguém leu que o herói X foi capaz de superar o problema Y porque teve a mãe ou o pai a dar-lhe o colo de que ele precisava para ter a coragem de alcançar o que parecia tão complicado de alcançar. Os grandes pais são invisíveis, espectadores activos de uma narrativa épica, cheia de altos, de baixos, de quedas, de vitórias e de derrotas, que os ocupa por completo, que os submerge por completo. Quem aparece nos livros de história são os heróis, nunca os pais dos heróis. Ainda bem. Somos orgulhosamente “Os Inúteis” quando tudo, no final, corre bem, quando o herói, o nosso, triunfa sobre o mal, sobre os males. Os grandes pais não aparecem habitualmente nas fotografias das glórias dos seus filhos, mas se aparecessem estariam dobrados, emocionados, a chorar de alegria. Que inúteis.
8 meses atrás

pedrochagasfreitas Em nossa casa, seremos três, mas haverá quatro aniversários para celebrar. O vinte e dois de Junho, data do transplante do nosso menino, será dia de festa. Nele, o Benjamim nasceu outra vez, nascemos todos outra vez. É uma segunda vida, um segundo crédito, que temos a felicidade de poder gastar. Não o desperdiçaremos. Estamos, nos últimos tempos, a aprender muito sobre o que vale a pena nesta correria toda a caminho sabe-se lá de onde. Corremos quase sempre para não termos oportunidade de perceber que não temos para onde ir. Pela minha parte, pensei muito sobre o que sou, também sobre o que fui. Dói demais quando estamos demasiado dentro do que nos corre nas veias. Lamento todas as porcarias que fiz. Muitas vezes, fazemos asneiras por não sabermos bem quem somos, e mais ainda o que podemos ser, o que nos sacia a ânsia de viver. Perdemo-nos no que não interessa nada, no que só vai servir, mais tarde, para sabermos que perdemos tempo, e talvez pessoas, por andarmos perdidos no meio desta roda gigante de mentiras. Não voltarei a perder, espero. Não procurarei tapar as dores, as fragilidades, as carências, os desafectos, com a instalação de mentiras temporárias no sistema, como se quisesse curar um vírus com outro vírus. Não me livrarei do erro, nem sei se quero. Tudo que fizer será por amor. Já o era, mas talvez soubesse pouco sobre o que é o amor, sobre o que é o prazer maior desta viagem toda. Andei enganado, a enganar-me, a enganar os outros com o meu engano. Julgava estar, com isso, a celebrar a vida, mas estava apenas a adiá-la, a adiar o meu encontro com ela, e comigo. Não voltarei a fazê-lo, e só peço que todos os erros que já foram não venham invadir os erros que ainda serão. Lamentarei cada um deles, mas saberei que são apenas a verdade do que também sou. Aprendi, enfim, a importância absoluta da verdade: eu inteiro diante de mim. Na nossa casa, dizia, seremos três a festejar quatro aniversários. A vida pode muito bem ser a capacidade de celebrar todos os renascimentos que ela nos dá, e já morri tanto nos últimos dias.
8 meses atrás

pedrochagasfreitas — A Alice vive no País das Maravilhas, pai.
— Pois é.
— E sabes onde é que nós vivemos?
— Onde?
— No Hospital das Maravilhas.
E riste. Quando ris, o ar fica limpo, a atmosfera perde a poluição, há uns segundos de perfeição no interior da vida. Estás a ficar melhor, apesar dos sustos. Estamos aqui, os três, no Hospital das Maravilhas. Não há coelhos, nem gatos, mas há gigantes, poções que nos fazem maiores e mais pequenos, quedas para buracos fundos, milagres a toda a hora, heróis por todo o lado, talvez haja um ou outro vilão. Aqui, no Hospital das Maravilhas, já vivemos de tudo, numa aventura que todos os dias nos testa os sentidos, as emoções, as fragilidades. Aqui somos uma teia complexa, um monte de ambivalências, pedaços de incoerência, de imprevisibilidades, passageiros de uma montanha russa interminável, que roda e nos faz rodar, que roda e nos deixa tontos como nos deixa felizes, aliviados ou desesperados. Aqui somos o que é e ainda o contrário do que é. Temos medo como temos coragem, temos risos como temos lágrimas, temos esperança como temos túneis escuros, cerrados, temos convívio como temos solidão profunda. No Hospital das Maravilhas, celebra-se todos os dias cada desaniversário. Cada dia é uma festa, uma oportunidade de acreditar. Acreditar, em si mesmo, é um instante de felicidade. Temos tido alguns. É o que tem bastado para não pararmos de ser personagens, às vezes principais, às vezes meros figurantes, desta história que nunca pensámos viver, mas que nos transformará para sempre. Sobreviver é ser um pouco de Chapeleiro Maluco, porque não? Sairemos daqui mais espessos, mais densos, com mais camadas. Sairemos daqui mais pessoas, talvez seja essa a maior das maravilhas.
8 meses atrás